Estávamos atrasados para o aniversário da minha tia.
Precisamente, quarenta minutos.
E eu ainda precisava comprar um presente.
Sentada no banco de trás, pedi para meus pais parem no mercado que ficava no caminho. Eles concordaram, desde que eu me apressasse. Saltei pra calçada e voei entre as portas automáticas de vidro rumo à adega.
Sabia que minha tia gostava de vinho, mas não conhecia suas preferências. E agora? Branco ou tinto? Suave ou seco? Sem tempo para analisar os rótulos, me guiei por um Malbec Argentino que já conhecia. A caixa nem tinha passado a garrafa no código de barras e eu já estava perguntando se tinha alguém para embrulhar o presente.
Ela esticou o pescoço e varreu os corredores do mercado, sem sucesso. Reclamou, mais para si mesma do que para mim, que a Suellen “vivia sumindo e procurando qualquer desculpa para se trancar no banheiro”. Estava ponderando quanto meus pais se irritariam caso eu pedisse para passar na papelaria quando uma moça de rabo de cavalo e mochila nas costas cruzou o corredor em direção à saída.
-Ah, Ana! Vem cá. Faz o favor de fazer um embrulho pra cliente?
A moça voltou e a caixa entregou o vinho em sua mão, pedindo que eu a acompanhasse. No lugar do uniforme verde, vestia calça jeans e blusa de alça. Seu turno tinha acabado.
Ela tirou a mochila das costas e eu rejeitei a ligação do meu pai. Não ia demorar, tinha certeza. Na pressa para ir embora, a moça faria um embrulho tosco e capenga que eu precisaria arrumar no carro. Não tinha nem como culpá-la. Fiquei com raiva da tal Suellen e dos outros “braço curto” que já topei na vida.
-Que cor você quer, moça?
Pisquei, confusa com a pergunta. Notei a gaveta aberta do balcão, com várias fitas coloridas. Escolhi azul, da cor do vinho.
Ana abriu espaço e colocou dois celofanes transparentes sobre a mesa, organizando os papéis até que formassem uma estrela de oito pontas. Posicionou o vinho no meio e puxou os celofanes para cima, mas abaixou logo em seguida ao perceber que a garrafa não estava bem centralizada. Depois de satisfeita, testou a altura dos papéis, perguntando se eu gostaria que as pontas fossem mais aparadas. Finalizou com um laçarote azul redondo e largo, e pensei que o embrulho parecia o ovo de páscoa mais bonito que eu já vi na vida.
Ela cortava as pontas do laço na diagonal quando corri de volta para dentro do mercado. Escolhi um pacotinho na boca do caixa, paguei, rejeitei a segunda ligação do meu pai e me apressei para o balcão. Peguei o vinho e entreguei uma barra de chocolate para a Ana:
-Você foi muito gentil, obrigada.
Ela sorriu e eu chispei para dentro do carro. Meus pais começavam a reclamar da minha demora quando eu os interrompi. Mostrei a moça que acabara de sair do mercado, mochila nas costas e chocolate na boca, atravessando a rua em direção ao metrô.
-Vocês não acreditam no que aconteceu.
Marinada
Coisas legais dos últimos 15 dias
🍿 Filmes
Caro leitor, como está a vista aí no futuro? É bem provável que, a depender do momento em que lê essa edição, você já saiba se a Fernanda Torres pôde agraciar nosso país com a estatueta dourada. Já assisti aos 10 filmes indicados e afirmo para você: pelo menos aqui, do passado, a esperança é forte e a vida presta!
Esse é o meu top 3 do Oscar 2025. Qual é o seu? Me conta nos comentários para debatermos como membros da Academia.
Ainda Estou Aqui
Conclave
A Substância
📚 Livros
O morro dos ventos uivantes (Emily Brontë). - Minha primeira experiência com as irmãs Brontë me deixou de boca aberta: Emily mostra com maestria como as feridas emocionais são capazes de moldar o caráter dos seres humanos. Fiquei absurdamente envolvida com a história (e tive vontade de entrar no livro e dar na cara dos personagens mais de uma vez).
Além disso, aprendi um bocado com essa edição comentada da Zahar. Descobri, por exemplo, que o primeiro livro publicado pelas irmãs vendeu a incrível quantia de dois exemplares em um ano. Amo essas histórias.
🌻 Aleatoriedades
Estou encantada com a infraestrutura e qualidade do CEU perto de casa - não fazia ideia da infinidade de atividades oferecidas! No instante em que descobri as aulas de fotografia e teatro musical, fiz minha matrícula. Atenção: essa pode ser a última chance de estreitar laços comigo antes que eu vire uma estrela da Broadway.
Passei mais de 20 ANOS frequentando a rede UCI de cinemas e só descobri AGORA que pagando a miséria de 14 REAIS você entra no programa de relacionamento e ganha o direito da meia entrada FOREVER AND EVER.
A foto aí de cima é do último sábado, quando tirei a louça chique do armário só para mim e para o Pedro. Gosto de fazer isso de tempos em tempos. Como diz a minha sogra: “hoje nós vamos tomar café da manhã de hotel”.
CLAY
Da criação a publicação - parte 1
Era janeiro de 2023. Eu tinha acabado de descobrir que a medicina veterinária era um caminho que eu não queria mais percorrer, e estava desesperada para conectar com o que me fazia feliz de verdade. Os cursos de escrita da Ana Holanda apareceram no meio desse turbilhão como uma luz no fim do túnel. Um deles, lançado pela primeira vez naquele ano, propunha a criação de um livro infantil.
O curso não tinha o objetivo de chegar, de fato, na publicação do livro. O que a Ana queria mesmo era colocar os adultos para brincar. Pegar em lápis de cor, canetinha, giz de cera... valia qualquer coisa. A proposta era se desafiar além da escrita, criando as ilustrações e montando o livro artesanalmente.
Ferrou. Foi isso que pensei depois da primeira aula. Eu só sabia desenhar boneco de palito! Passei um bom tempo quebrando a cabeça sem saber o que fazer. Um dia, tomando banho, lembrei do famoso livro “A Parte Que Falta”. A empolgação foi tanta que acabei gritando no banheiro, chamando o Pedro para compartilhar minha inspiração. O personagem principal desse livro é muito simples, praticamente um círculo. Eu já sabia que queria escrever sobre profissões e vocações, e era plenamente capaz de desenhar algumas formas geométricas.
Apresentei a ideia na aula: a história de uma forma geométrica indefinida que sai em busca do que quer ser quando crescer. Foi um sucesso. Mal sabia eu que o verdadeiro desafio ainda nem tinha começado. Mas essa parte fica para a próxima edição.
“CLAY - Que forma você quer ser quando crescer?” entra em pré-venda na Amazon a partir do dia 10/03. 🥳
Mais do Substack Oscar:
Ainda estamos aqui vendo conteúdo da Fernanda Torres com o
.Tá chovendo filme bom que não está concorrendo a melhor filme. A
deixou suas impressões sobre alguns dos indicados em outras categorias aqui e aqui.Eu tô falando isso desde a indicação ao Globo de Ouro. A
explicou perfeitamente bem porque a Fernanda Torres já ganhou, com Oscar ou não. Pode comemorar, Brasil!Esse Oscar também é uma vitória para a literatura, como muito bem lembrou a
na sua última ediçãoE para começarmos a valorizar o cinema nacional de uma vez por todas, a
prestou um serviço ao fazer essa lista de 81 filmes brasileiros imperdíveis.
✉️🐕 Até na Pet Letters dei um jeito de falar da estátua dourada. Deixei minha opinião sobre Flow, a animação que é nossa concorrente direta na categoria de melhor filme estrangeiro. Além disso, a última edição ainda teve a participação especial de uma veterinária neurologista, que compartilhou sua história com os leitores. Melhor pegar um lencinho antes de conferir:
Até a próxima!
Marinando é o meu olhar traduzido em crônicas e mini contos leves e descontraídos sobre a beleza do cotidiano.
Quinzenalmente, nos domingos às 9h.
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É tão bacana quando a gente é bem tratada, quando as pessoas fazem as coisas de coração e sem má vontade... Ela tinha tudo para te xingar, mas foi fofa e fez um embrulho bonito. Mereceu o chocolate.
Amei a capa do Clay. Sucesso Mari ❤️👏