A coragem de aparecer
Minha primeira tarde de autógrafos, Marvel, Hobbits e meus projetos literários.
Todo mês de dezembro, até o final do Ensino Fundamental I, os alunos apresentavam a tradicional pecinha de Natal na escola católica onde estudei. Os papéis eram escolhidos pelas professoras: a Milena era Maria, Gabi o anjo; Heitor, Victor e Miguel os Três Reis Magos; e Marina… a ovelha. Sempre. A. Ovelha.
O que eu mais queria na vida era interpretar a Estrela de Belém. Mas não. Lá estava eu, ano após ano, no aprisco dos alunos renegados. Aos dez anos de idade, decidi que isso não podia terminar assim. Na minha última chance de virar esse jogo, tomei a iniciativa de falar com a professora.
Fui atrás dela durante um recreio, com mãozinhas suando e coração saindo pela boca. Em meia dúzia de palavras balbuciadas, dei um jeito de explicar que meu maior sonho era ser a Estrela de Belém. Duas semanas depois saiu a lista com os nomes: “Marina Cyrino - Estrela de Belém.”
Mal podia acreditar. Entreguei o croqui para minha mãe e fomos na loja escolher os tecidos fluidos, brancos e prateados, que a costureira bordou com lantejoulas. No dia que finalmente coloquei o vestido e a tiara de fios metalizados, espiei a plateia pela cortina e senti o estômago congelar.
Era a menina míope e quietinha da sala de aula. Tímida e introspectiva. Detesto aparecer.
Por que fui inventar isso????
Narrei essa história do presépio para o Pedro durante o almoço, antes de sairmos para a livraria.
Por que fui inventar o lançamento desse livro????
“Eu aposto que a maioria dos escritores não gosta de fazer tarde de autógrafos”, falei para ele, enquanto engolia o picadinho de frango meio atravessado. “Pensa comigo: a gente passa a maior parte do tempo sozinho, em frente ao computador. O mais legal desse trabalho é ficar com os personagens que existem dentro da nossa cabeça.”
Entrei no carro com a mesma sensação de estômago congelado. Dessa vez eu não podia nem espiar por detrás de uma cortina, então cheguei na livraria sem saber o que esperar. Uma amiga já estava lá, carregando sua malinha de viagem e um exemplar do Clay. Meus olhos marejaram durante nosso abraço. A partir desse momento, juro que saí da realidade. Quando voltei, estava escuro lá fora. O dia tinha acabado.
Nesse meio tempo tive um sonho com gosto de pipoca e sensação de abraço apertado. Nele estavam meus tios de sangue e de coração, muitos primos, amigos da escola, da faculdade, da escrita, da vida e até meu professor de inglês. Meus pais e o Pedro. Uma criança que chegou na livraria e quis me conhecer. Gente de perto e de longe que apareceu para prestigiar o Clay. Foi um sonho muito colorido, de riso fácil, e meu coração brilhou mais forte que qualquer Estrela de Belém.
“Pedro, eu errei”, disse quando chegamos em casa. “Essa tarde foi tão incrível quanto escrever meus livros.” Tem um detalhe que só me dei conta recentemente: desde que decidi mostrar quem eu sou de verdade, comecei a criar conexões mais sinceras e profundas comigo e com as outras pessoas. Tem uma magia inexplicável quando descubro que alguém foi tocado por alguma coisa que escrevi. Uma coisa meio de surreal nas pessoas que dedicaram seu sábado para ir até a livraria torcer pela minha transição de carreira.
Eis o motivo pelo qual eu “inventei de fazer isso”: para ser vulnerável. Não é fácil. Dá um medo do caramba de tropeçar no meio do presépio, de esquecer as falas, de passar vergonha, de escrever um livro horrível que todo mundo vai julgar. Mas é mil vezes mais doloroso ficar do lado de fora da vida, imaginando o que teria acontecido se eu tivesse arriscado aparecer e deixar ser vista.
Morro de orgulho da criança que atravessou o palco da escola vestida de Estrela de Belém, ainda que estivesse tremendo mais que vara verde. Morro de orgulho dessa Marina que abraçou a coragem de encarar um novo caminho e publicar o seu primeiro livro.
Marinada
Coisas legais dos últimos 15 dias
📚 Livros
A coragem de ser imperfeito. Impossível não citar a Brené Brown nessa edição. Além de já ter lido o livro inteiro várias vezes, costumo voltar em algumas passagens com frequência, como se buscasse ouvir os conselhos de uma amiga querida. É definitivamente um dos livros que mudou a minha vida.
O Hobbit. Certa vez, Tolkien estava exausto corrigindo provas quando puxou uma folha em branco e rabiscou: “Numa toca no chão vivia um Hobbit”. Ele não sabia o que aquilo significava, e nem fez nada a respeito por muito tempo. Alguns anos depois, reuniu seus filhos na lareira de casa, como costumava fazer, e disse que tinha uma nova história para contar, sobre um ser pequeno com pés peludos. Uma história que nasceu com a simples intenção de divertir os seus filhos. Pois é, amigos. Surpreendendo um total de zero pessoas, o livro furou a fila da minha lista de leitura. Vocês vão ter que aguentar a minha recém-descoberta obsessão por Tolkien.
🍿 Filmes
Thunderbolts*. A Marvel tá viva! Ou, pelo menos, está respirando sem a necessidade aparelhos. O filme não é, assim, um Guardiões da Galáxia, mas achei um ótimo sinal de que a nova fase da franquia promete ser melhor do que o esperado. Thunderbolts* me divertiu, emocionou e surpreendeu ao colocar a saúde mental como tema central da história. Gostei bastante da forma como os personagens retrataram a depressão. Se assistir me conta!
🌻 Aleatoriedades
Em homenagem ao dia das mães, a foto lá de cima é da ursa polar Aurora e sua filha, Nur, nascida no Aquário de São Paulo em novembro de 2024. Fui conhecê-las durante o último feriado e simplesmente não queria ir embora. Pensa numa filhote brincalhona, curiosa e cheia de energia. Minha primeira visita ao Aquário valeu cada centavo.
Meus projetos literários
O final dessa newsletter é sempre o meu espaço para compartilhar com vocês tudo sobre os meus projetos literários. E tem muita coisa legal acontecendo!
Clay
Assinei um total de 53 livros na minha primeira tarde de autógrafos. Cara, 53 livros! 😀 Ainda tenho 3 exemplares comigo que posso assinar e enviar pelo correio. Se você se interessar, me chama! :)
Clay também segue disponível na Amazon e, a partir dessa semana (socorro, que emoção), em várias unidades da Livraria da Vila, Martins Fontes, Drummond e Leitura. Encontrou meu livro por aí? Manda uma foto para mim, vou adorar!
Meu primeiro romance
É oficial: finalmente voltei a trabalhar no meu romance! E o medo que eu estava dos personagens não lembrarem mais de mim, gente? Ainda não estou escrevendo novos capítulos — apenas relendo, revisando e me reconectando com as mais de 32.000 palavras já escritas.
Para seu conhecimento: esse romance ainda não tem nome, mas já tem uma protagonista millennial, um personagem barista, uma dogue alemã feliz e babona e um plot que vai te fazer pensar sobre a finitude da vida e o seu lugar no mundo. ♥️
Notícias boas
Dei uma entrevista para a
, que tem uma newsletter muito legal sobre — adivinhem — Carreiras Múltiplas! Falei sobre a pressão para seguir o "caminho certo”, a busca por sentido, as crises de pânico e, enfim, o encontro com a escrita.Tive uma crônica aprovada para publicação na Revista de Literatura Julia! Uhul! E é um texto que já apareceu aqui na Marinando. 🙃 A edição deve ser impressa nos próximos meses, e eu compartilho por aqui assim que for publicada.
Mais do Substack:
Fiquei sabendo da seleção da Revista Julia pelo guia de oportunidade para escritores feita cuidadosamente pela
.No dia das mães não dê flores, dê alguma dessas sugestões que a
listou na sua última edição. A propósito, o livro Engravidei está com frete grátis no dia 11/05!A
falou sobre as dificuldades de viver da escrita, os caminhos inesperados e três indicações de filmes que eu adoro.O que você precisa para escrever? A
te conta nessa edição maravilhosa.Termino de ler todos os textos da
com a sensação de coração quentinho. Esse aqui é pra te dar coragem e confiança de que coisas boas estão por vir.
Até a próxima!
Marinando é o meu olhar traduzido em crônicas e mini contos leves e descontraídos sobre a beleza do cotidiano.
Quinzenalmente, aos domingos às 9h.
Chegou pela primeira vez? Se inscreva para receber a próxima edição :)
Marina, não te conheço, tropecei e achei você aqui. Agora não te largo mais rsrs
Seus textos são uma delícia, crônicas leves e que falam direto com o coração da gente.
Obrigada e parabéns pela coragem de se lançar! Muito sucesso pra você, e que venham mais livros!!!
Ma, talvez vc não saiba, mas eu também termino de ler seus textos com o coração quentinho. E espero ansiosamente pelo próximo - sinto uma falta no domingo seguinte. Orgulhosa demais por você e eu tenho certeza que vou amar lançamento de livro, ao mesmo tempo que vou morrer de medo de ninguém ir ahhahaa. beijos