-Oi, Seu Luís, bom dia! Tudo bem? Aqui é a Marina, do apartamento 32 bloco 4. Preciso pedir um favor: estou sem o controle da garagem e no meio de…
Um clarão invade a cozinha e eu espero o barulho do trovão cessar.
-… e no meio de uma mudança. O carreto está chegando, é uma kombi placa XJZ. O senhor pode abrir o portão quando ela encostar? Eu vou descer para indicar onde estaciona. Tá joia, muito obrigada, Seu Luís.
Volto o interfone no gancho e varro o cômodo com os olhos, tentando calcular o número de viagens necessárias para descer o mar de caixas. Estimo algo entre cinquenta e mil. Prendo o cabelo em um coque torto, abro a porta, levanto uma pilha de três caixas e respiro fundo antes de descer o primeiro dos oito lances de escada até a garagem, agradecendo a um santo diferente por degrau por estar finalmente me mudando para um prédio com elevador.
Ué, cadê a Kombi? Além da chuva torrencial que afoga São Paulo, não tem nada na garagem. Tudo bem, o trânsito sempre fica uma merda quando chove. Sento em cima das caixas e espero no coberto, já suada e ofegante, sentindo as gotas voarem do chão para a barra da minha calça legging.
O carreto encosta dez minutos depois. Me levanto para indicar a vaga dos visitantes, mas o portão não abre. Tento me comunicar com o motorista, espalmando e agitando a mão no ar no gesto universal do “pera aí!”, confiante de que o porteiro já vai cumprir o combinado.
E nada acontece.
Ô, Seu Luís, qual é!?
Aperto os olhos e vejo o motorista se inclinando sobre o volante para tentar descobrir o que está acontecendo entre a chuva grossa. Nem tenho como ligar para ele, é o meu marido que tem o contato. Essas coisas só acontecem quando o Pedro não está por perto. Cadê o meu marido? Cadê o Seu Luís?
Não tem a menor condição de ir até a portaria nessa chuva. Devo camelar até o apartamento para usar o interfone? Mas e se o motorista achar que eu sumi e for embora? Não, espera.
Já sei.
Lembro da vez em que encontrei o telefone da portaria no Google. Puxo o celular do bolso e faço uma busca rápida com o nome do condomínio. É isso, encontrei! Sou uma gênia. Aperto o botão verde da chamada ao mesmo tempo em que o motorista buzina. Moço, peloamordedeus, não vai embora.
-Alô?
Puts. Acho que não reconheço a voz.
-Oi é da portaria? Aqui é a Marina do 32 bloco 4. - Me atropelo, afobada. - É.. É o Seu Luís que tá falando?
-Não, Seu Luís não está.
-Ah - então é isso. Deve ser algum funcionário cobrindo hora de almoço. - Eu conversei com o Seu Luís alguns minutos atrás, para autorizar a entrada de uma kombi na garagem. O senhor pode abrir, por favor?
Mais uma buzinada. Agito a mão no ar novamente, ensopando a manga da camisa.
-Quem está falando mesmo?
-É a Marina, do 32 bloco 4.
-Qual o nome do bloco?
Quê? Como assim, nome do bloco?
-Quatro - repito, irritada.
Uma buzinada mais insistente.
-Mas qual o nome do bloco? - Ele insiste.
-BLOCO QUATRO. QUA-TRO.
É nessa hora que a kombi dá ré. Seguro o celular com uma mão no coberto e jogo o resto do corpo embaixo da chuva, agitando o braço como uma louca varrida. “NÃOOOO! NÃO VAI EMBORA”!
Não sei se ele ouve o grito ou se fica em choque com a minha interpretação de boneco de posto no temporal, mas para o carro.
Volto o celular para o ouvido.
-Alô?
-Quê? - O porteiro rosna. Pelo menos não desligou na minha cara.
-O senhor está vendo a kombi no portão?
-Não.
Silêncio. As engrenagens da minha cabeça se encaixam.
-Esse número é do Condomínio Residencial das Hortênsias, na Rua Izidoro?
-Não, é do CENTRO Residencial das Hotênsias, na Rua Camado.
Jesus amado.
Peço mil desculpas e ligo para o segundo número da pesquisa no Google. Pelo menos o motorista desistiu de buzinar.
-Ah, oi, Marina! Essa é a Kombi, né? Tá bom, estou abrindo.
Poxa vida, Seu Luís.
Mostro a vaga para o motorista e espero a Kombi estacionar. Arregaço as mangas molhadas.
A mudança vai começar.
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Escrito por Marina Cyrino Leonel
pqp SEU LUIS SOS 😅😂
Hahahahah poxa, que mancada hein Seu Luis? 🤣 a mudança começou, terminou e bora pra uma nova fase ( agora com elevador!!!)