— Espera aí, conta essa história direito. Quero ouvir todos os detalhes.
— Lembra que na segunda noite eu subi até o último deck para ver o rastro da lua no mar? — diz minha mãe, cortando um croissant ao meio.
— Lembro — respondo, deixando os talheres de lado para prestar atenção na conversa. — Mas estava nublado.
Ela assente em silêncio enquanto beberica a xícara de café.
— Não deu para ver nada. Aí, ontem, alguém falou que a noite estava bonita.
— Fomos nós. Eu e o Pedro vimos a lua da janela da cabine antes de sair para o jantar.
— Isso. — Ela passa a faca no potinho de plástico e espalha uma quantia generosa de manteiga no croissant. — Eu subi lá de novo. Vocês tinham razão, a noite estava linda. A lua deixava o rastro no mar, do jeitinho que eu imaginei.
— Hum. E aí?
— Quando encostei no parapeito percebi que tinha um rapaz a alguns metros de mim.
— Como ele era? Novo? Velho?
— Era jovem, devia ter uns trinta, trinta e tantos… — Minha mãe gesticula na minha direção e do Pedro. — Um pouco mais velho que vocês. Estava usando uma camisa polo.
— Tá. — Faço essa anotação mental.
—De repente eu ouvi: “como isso é bonito”.
Ela faz uma pausa para morder o croissant e eu me inclino para a frente, ansiosa pelo resto.
— Olhei para o lado, para o outro… Não tinha mais ninguém ali além de nós, então o negócio era comigo mesmo. Respondi alguma coisa meio genérica, como “é, o céu está bem limpo hoje”. Mas aí ele continuou. Contou que tinha entrado no cruzeiro com a cabeça quente e estava cheio de problemas no trabalho.
— Café? — diz o garçom que surge ao nosso lado. Agradecemos e ele parte apressado, chacoalhando o bule prateado.
— E depois, mãe?
— Ele abriu bem os braços, assim — ela faz um movimento exagerado sobre a mesa, como se mostrasse o horizonte para nós. — Então disse: “olha toda essa imensidão! É aí que nos damos conta do nosso tamanho. O que são os meus problemas perto disso? Essa é a prova de que Deus existe”.
Tenho consciência de que devo estar com a expressão meio abobalhada, encarando minha mãe de boca aberta. A cena passa na minha cabeça como um filme: o moço, a camisa polo azul, o mar prateado cintilante. Seus olhos entorpecidos pelo breve momento de conexão com a natureza. Com algo maior, desconhecido e extraordinário. A brecha no tempo onde nada mais é necessário além de sentir.
Pedro se manifesta pela primeira vez na conversa.
— Ainda bem que ele reagiu dessa forma, né? Quer dizer, ele poderia ter se jogado do barco.
Rimos de nervoso. Havíamos comentado no primeiro dia da viagem sobre a altura baixa dos parapeitos.
— O que você respondeu? —pergunto.
— Ah, você me conhece, né? Falei que daqui alguns meses ele iria olhar para trás e dar risada. Desejei tudo melhor, já rezei, enviei reiki pro moço, essas coisas.
— Vou falar a verdade, mãe. Tô com inveja que essa história aconteceu com você e não comigo. Você se importa se eu escrever na primeira pessoa? Seria uma mentira ou liberdade criativa?
— Ué, Marina, não é isso que vocês fazem o tempo todo? Escritores adaptam o que for necessário para tirar o melhor da história. Licença poética. — Ela limpa as mãos no guardanapo e sacode os ombros. — Será que o garçom do café passa por aqui de novo?
Marinada
Coisas legais dos últimos 15 dias
🍿 Filmes
Saga Senhor dos Anéis. A primeira tentativa foi com quinze anos, porque meu paquera da escola era fã de carteirinha. A segunda foi durante a pandemia, já que topava qualquer coisa disponível nos streamings. Na terceira, no entanto, algo diferente aconteceu, porque agora eu quero explorar a Terra Média, comer lembas élficas, duelar com trolls, colocar uma mochila nas costas e sair gritando I’M GOING ON AN ADVENTURE!
📚 Livros
Helena (Machado de Assis). Uma amiga que sempre dá as melhores indicações de leitura escreveu no WhatsApp “quero muito que você leia Helena”, seguido de uma sequência altamente exagerada de pontos de exclamação. Pois bem, Juliana. Ainda estou no começo do livro, mas achei interessante descobrir que o romance nasceu de um folhetim, o que fez Machado de Assis finalizar cada capítulo com ganchos irresistíveis e muito bem armados. Ainda bem que não precisamos mais morrer de curiosidade até o próximo jornal chegar. Estou amando.
🌻 Aleatoriedades
A trilha sonora da vez é para você relaxar comigo no Condado e visitar o Bilbo Bolseiro.
Na última quarta-feira fiz uma mentoria ao vivo com a Dany Sakugawa. Para quem não a conhece, recomendo de olhos fechados. Tudo o que sei sobre marketing de livros aprendi com essa mulher. A live está gravada por poucos dias, então corre se quiser assistir.
A foto lá de cima, é lógico, foi tirada no navio pela minha mãe. Pode se apaixonar pelo rastro da lua. :)
CLAY
E o meu primeiro artigo
Gente do céu. Sai na revista Vida Simples e tô me achando! Que loucura!
Abri o coração e falei tudo que senti até chegar na transição de carreira:
“O início da minha vida profissional foi traçado no piloto automático. Me disseram que ingressar em tal faculdade garantiria um futuro promissor, cheio de portas abertas. Mas não pode parar de estudar, então é bom emendar uma pós-graduação. Se quiser se destacar de verdade, faça um mestrado, não tem erro! Só não esqueça de programar o despertador para às 5h, hein? O termo do momento é a alta performance, e quem não empreende tá dormindo no ponto.”
Alguém se identifica? Você pode conferir o artigo completo aqui.
O Clay está se espalhando entre pequenos e grandes leitores e tem sido a experiência mais fantástica/eletrizante/apavorante que eu já vivi. 🥰😛🤪
Se você já está com o livro em mãos, topa me ajudar deixando uma avaliação na Amazon? É exatamente isso que faz o algoritmo da loja divulgar o Clay para mais pessoas. É só clicar aqui para cair direto na página da avaliação. Ah, e se puder deixar algumas fotos do livro, melhor! Isso conta ainda mais pontos.
Dia 26/04 aconteceu o evento de lançamento na Livraria Drummond. Mas como eu finalizo essa edição na sexta, 25/04, você vai ter que esperar a próxima para descobrir como foi a minha primeira experiência em uma tarde de autógrafos. Quem sabe se eu vou ficar nervosa? Ou se a tinta da caneta vai acabar? Será que nesse estado de espírito um incidente novo vai me esperar?
Não perca o próximo folhetim.
Caiu nessa newsletter pela primeira vez? Clica aqui para conhecer o meu livro infantil sobre profissões, vocações e a coragem de ser quem você é. :)
Mais do Substack:
Já conheci algumas das casas-museu mencionadas pela
nessa edição. Ler as palavras dela foi como fazer uma viagem para revisitá-las.Não tem como. Os textos tão sinceros e genuínos da
sobre maternidade sempre me emocionam. A melhor parte é que ela está lançando um livro! O Engravidei está disponível para pré-venda e eu já garanti meu exemplar.Eu costumava ter bastante birra de adaptações cinematográficas de livro, mas depois que voltei a escrever vejo as coisas com outros olhos. Entendi que são artes diferentes. A
falou muito bem sobre isso aqui.Você só passa esmalte nude? A
vai te fazer repensar.Esse texto da
sobre diálogos na era da inteligência artificial… Jesus. Genial e assustador na mesma medida.Me deliciei com essa conversa inesperada na garagem do prédio da
. Uma crônica para lembrar que conexões muito bonitas podem acontecer quando menos esperamos.
Até a próxima!
Marinando é o meu olhar traduzido em crônicas e mini contos leves e descontraídos sobre a beleza do cotidiano.
Quinzenalmente, aos domingos às 9h.
Chegou pela primeira vez? Se inscreva para receber a próxima edição :)
Achei tão Titanic essa história...
Que legal, parabéns pelo artigo e pelo livro!!! Queria muito ter ido mas não consegui! Um dia vamos nos conhecer pessoalmente, vou adorar!!!