E se meu livro decepcionar todo mundo?
Medos, editoras picaretas e meu livro infantil (parte 2)
Estou de pernas cruzadas no sofá, respondendo aos amigos e familiares que mandaram mensagem depois de adquirir um exemplar do Clay no primeiro dia da pré-venda. São dezenas de prints da tela de compra. Uma enxurrada de palavras de carinho, orgulho e parabenização. Meu coração está tão grande que parece inacreditável continuar escondido dentro do peito.
Abro a última mensagem no mesmo instante em que um Pedro sonolento se arrasta na sala, avisando que já passou da hora de dormir. Meia-noite e dez.
— Sabe, estou sentindo um pouco da síndrome da impostora — começo a dizer enquanto bloqueio a tela do celular. — Eu coloquei a expectativa das pessoas lá em cima. E se o livro decepcionar todo mundo? Fala alguma coisa pra inflar o meu ego de artista, vai.
Pedro se joga no sofá meio de lado, apoiando o cotovelo no encosto e entoando uma ladainha improvisada:
— Oh, Marina, Clay vai ser idolatrado, um best-seller em quinze idiomas, vai virar brinquedo, parque temático…
— Com figuras geométricas coloridas em tamanho real? — interrompo.
— Isso, por todos os lados. Vão fazer pelúcias, camisetas, lancheiras. Ah, desenhos animados! Com certeza. Clay vai ser maior que a Peppa Pig.
A imagem da porca rosa brota na minha mente, me fazendo rir. O sucesso é uma coisa que me intriga desde criança. O que faz alguma coisa ser bem ou mal sucedida? Como é que essa suína bidimensional já conseguiu ganhar até o prêmio BAFTA?
— Eu acho… — paro para pensar. — Não. Tenho certeza. O sucesso não pode ser controlado.
— Não pode. — Pedro balança a cabeça apoiada na mão, categórico. — Mas é possível fazer algumas coisas para estimulá-lo.
— Sim, concordo. Eu dei o meu melhor. Estudei literatura infantil, pesquisei referências, fiz mil edições, revisões, análise crítica, leituras beta. Escrevi uma história em que acredito e me diverti muito durante o processo. Acho que nunca fui tão feliz. É isso que não posso perder de vista. — Dou um impulso para virar de lado no sofá e ficar de frente para ele. - Sabe quem eu vi falando sobre esse assunto? A Fernanda Torres.
Suas pálpebras pesadas se arregalam um pouco.
— Imagina a sensação? O país inteiro acompanhou a mulher sendo indicada ao Oscar. E o medo do próximo trabalho não ficar à altura?
— Exatamente! — dou um tapinha em seu joelho, empolgada em vê-lo acompanhar meu raciocínio mesmo com sono. — O artista bem sucedido tem medo de nunca mais repetir o feito, enquanto o fracassado não tem estímulo para continuar. Não importa tanto, porque a solução é sempre a mesma: seguir em frente. Partir para a próxima criação. O artista deve criar simplesmente porque precisa, entende?
De olhos fechados, Pedro assente e diz que faz sentido. Esse marido pragmático, pé no chão, de inteligência lógico-matemática, que sempre embarca nas minhas maluquices criativas. Seguro sua mão solta no colo. Ele solta um bocejo e entrelaça os dedos nos meus.
— Mas não vou negar que ter o incentivo de alguém ajuda muito. Lembra quando eu quis pegar o autógrafo da Andrea Del Fuego, lá na Livraria da Vila?
— Lembro.
— Você ficou esperando do lado da fila, na parte dos livros infantis. Antes de irmos embora você disse: “Cara, o Clay merecia muito estar aqui.”
— E merecia, mesmo.
— Eu sei. Obrigada por acreditar em mim.
CLAY
Da criação à publicação - parte 2
(confira a parte 1 clicando aqui)
Fui presenteada com este e-mail exatamente no dia em que comemorei trinta anos de vida. Uau. Foi a primeira editora que entrei em contato. Assim, logo de cara? Eu só posso ser a Clarice Lispector do século 21. Celebrei aquele aniversário como se tivesse um Jabuti no bolso.
Foi só no dia seguinte que voltei a avaliar o e-mail com mais calma:
Espera… “historinha”? E como assim, não vai ter ilustrador? Eles gostaram mesmo daquelas formas geométricas mequetrefes que eu fiz durante o curso?
Não é possível. Alguma coisa ali não estava cheirando muito bem.
Antes de fechar o contrato, tive a iluminação de conhecer a experiência de outros autores publicados por essa editora. Procurei alguns perfis no Instagram e deixei umas mensagem nos directs. Os retornos que recebi incluíam desde cobranças inesperadas para a produção do livro até atrasos absurdos no pagamento de royalties. Não era amor coisa nenhuma, era só mais uma das ciladas-caça-escritores-iniciantes-iludidos que existem no Brasil.
Caramba. Quase levei um tombo grave. Não fraturei nada, mas ficou um machucado que doeu e mostrou que eu não sabia nada sobre o mercado editorial. Se queria mesmo ser uma escritora publicada, era melhor começar a estudar.
Passei um ano frequentando eventos, conversando com profissionais do setor e entendendo como funcionavam os custos e as etapas da produção e divulgação de um livro. Percebi que a qualidade da escrita é, infelizmente, apenas um dos fatores considerados dentro de uma editora tradicional. Publicar um livro é caro. Caríssimo! A Dany Sakugawa virou minha chavinha de vez ao explicar que um livro é arte, sim, mas é também um negócio.
Assinei, enfim, o contrato com a Editora Labrador, segura de estar entrando em um bom caminho para a publicação independente. E como o Pablo Picasso não estava disponível, procurei o Sami Ribeiro, que topou ilustrar o Clay. Essa foi a parte mais divertida do processo de criação - e eu vou contar tudo sobre ela na próxima edição.
“CLAY - Que forma você quer ser quando crescer?” chegou chegando na pré-venda da Amazon disparando entre os mais vendidos na categoria Auto-Estima e Respeito Próprio Infantil e Juvenil! 😍 Aproveita o preço promocional clicando aqui.
Marinada
Coisas legais dos últimos 15 dias
🍿 Séries
Ruptura - Maratonei a série do momento sobre os funcionários que têm as memórias cirurgicamente divididas entre trabalho e vida pessoal. Mas tive que insistir, viu? A primeira temporada leva um tempão até finalmente entregar os pontos. No final, foi um ótimo entretenimento. A série é inteligente e me deixou com a cabeça fervilhando, bolando mil teorias da conspiração sobre as sinistras Indústrias Lumon. Só vai demorar para poder comprovar qualquer uma delas, já que a terceira temporada foi confirmada, sem previsão de estreia. Tô brava.
📚 Livros
A Cabeça do Santo (Socorro Acioli) - A história do garoto que ouve as preces dirigidas à Santo Antônio estava na minha lista há séculos já que, por algum motivo, acreditava se tratar de uma leitura densa e pesada. Não poderia estar mais enganada. Encontrei uma narrativa engraçada, envolvente e cheia de reviravoltas, que retrata o interior do Ceará com muita originalidade. Devorei o livro em dois dias e virei ainda mais fã do realismo mágico.
🌻 Aleatoriedades
Concluí neste final de semana, pela segunda vez, os três níveis do curso de Reiki Original, que é simplesmente a melhor filosofia que já encontrei para conquistar o autoconhecimento e a felicidade.
Passei os últimos dias deixando rolar esse compilados de músicas dos anos 50 em looping eterno na televisão da sala.
A foto lá de cima é meu pai, quando descobriu que o Clay ficou disponível para compra um dia antes do previsto. “Pode deixar para comprar só amanhã, pai, é quando anunciei o começo da pré-venda.” “Não. Quero ser o primeiro.” E foi mesmo. 😊
Mais do Substack:
O crédito da Fernandinha na crônica de hoje vai para o
, que fez esse compilado incrível de quatro entrevistas da atriz.Ainda pode falar do Oscar? Aqui estão as impressões sobre a premiação da
, minha amiga mais cinéfila.Refletir sobre a finitude sempre muda o jogo. Sempre. A
escreveu esse texto belíssimo sobre a perda da mãe, que eu duvido não te emocionar.“Queremos ganhar descanso, tranquilidade, sossego”. A
escreveu lindamente sobre mulheres e suas múltiplas funções.A partir de agora a
vai liberar um guia mensal com vagas e oportunidades para assinantes pagos. Não perdi tempo e já fiz o upgrade.
Até a próxima!
Marinando é o meu olhar traduzido em crônicas e mini contos leves e descontraídos sobre a beleza do cotidiano.
Quinzenalmente, aos domingos às 9h.
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Acredito que o sucesso é ser feliz com o que você está produzindo momento (Seja algo artístico ou não) a definição de "Sucesso e fama" que embutiram na gente desde criança, é só um pensamento capitalista! - não que ganhar dinheiro com a sua arte seja errado, muito pelo contrário. - mas algumas coisas vão muito mais além disso... Se a Marina se divertiu no processo de escrita, o livro já valeu a pena! ❤️🫶🏽
Mari, acho que sucesso é compromisso com a nossa evolução. Ele se dá pela consistência, pela habilidade de fazermos o nosso melhor sempre. E meoooo, você tem me inspirado muito, quero que saiba disso.
um beijo